sábado, 13 de dezembro de 2014

Contos de Terror: A mão do macaco.




Lá fora, a noite estava fria e úmida, mas na pequena sala de visitas de Labumum Villa os
postigos estavam abaixados e o fogo queimava na lareira. Pai e filho jogavam xadrez: o primeiro
tinha ideias sobre o jogo que envolviam mudanças radicais, colocando o rei em perigo tão
desnecessário que até provocava comentários da velha senhora de cabelos brancos, que tricotava
serenamente perto do fogo.

– Ouça o vento — disse o Sr. White, que, tendo visto tarde demais um erro fatal, queria evitar
que o filho o visse.
– Estou escutando — disse o último, estudando o tabuleiro ao esticar a mão.
– Xeque.
– Eu duvido que ele venha hoje à noite — disse o pai, com a mão parada em cima do tabuleiro.
– Mate — replicou o filho.
– Essa é a desvantagem de se viver tão afastado — vociferou o Sr. White, com uma violência
súbita e inesperada. — De todos os lugares desertos e lamacentos para se viver, este é o pior. O
caminho é um atoleiro, e a estrada uma torrente. Não sei o que as pessoas têm na cabeça. Acho que,
como só sobraram duas casas na estrada, elas acham que não faz mal.
– Não se preocupe, querido — disse a esposa em tom apaziguador. — Talvez você ganhe a
próxima partida.
O Sr. White levantou os olhos bruscamente a tempo de perceber uma troca de olhares entre mãe
e filho. As palavras morreram em seus lábios, e ele escondeu um sorriso de culpa atrás da barba fina
e grisalha.
– Aí vem ele — disse Herbert White, quando o portão bateu ruidosamente e passos pesados se
aproximaram da porta.
O velho levantou-se com uma pressa hospitaleira e, ao abrir a porta, foi ouvido cumprimentando
o recém-chegado. Este também o cumprimentou, e a Sra. White tossiu ligeiramente quando o
marido entrou na sala, seguido por um homem alto e corpulento, com olhos pequenos e nariz
vermelho.
– Sargento Morris — disse ele, apresentando-o.
O sargento apertou as mãos e, sentando-se no lugar que lhe ofereceram perto do fogo, observou
satisfeito o anfitrião pegar uísque e copos, e colocar uma pequena chaleira de cobre no fogo.
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Depois do terceiro copo, seus olhos ficaram mais brilhantes, e ele começou a falar, o pequeno
círculo familiar olhando com interesse este visitante de lugares distantes, quando ele empertigou os
ombros largos na cadeira e falou de cenários selvagens e feitos intrépidos: de guerras, pragas e
povos estranhos.
– Vinte e um anos nessa vida — disse o Sr. White, olhando para a esposa e o filho. — Quando
ele foi embora era um rapazinho no armazém. Agora olhem só para ele.
– Ele não parece ter sofrido muitos reveses — disse a Sra. White amavelmente.
– Eu gostaria de ir à Índia — disse o velho — só para conhecer, compreende?
– Você está bem melhor aqui — disse o sargento, sacudindo a cabeça. Pôs o copo vazio na mesa
e, suspirando baixinho, sacudiu a cabeça novamente.
– Eu gostaria de ver aqueles velhos templos, os faquires e os nativos — disse o velho. — O que
foi que você começou a me contar outro dia sobre uma mão de macaco ou algo assim Morris?
– Nada — disse o soldado rapidamente. — Não é nada de importante.
– Mão de macaco? — perguntou a Sra. White, curiosa.
– Bem, é só um pouco do que se poderia chamar de magia, talvez — disse o sargento com falso
ar distraído.
Os três ouvintes debruçaram-se nas cadeiras interessados. O visitante levou o copo vazio à boca
distraidamente e depois recolocou-o onde estava. O dono da casa tornou a enche–lo.
– Olhando para ela, não passa de uma mão comum, seca e mumificada – disse o sargento,
mexendo no bolso. Tirou algo e mostrou. A sra. White recuou com uma careta, mas o filho pegou
aquilo e examinou com curiosidade.
– E o que há de especial nela? — perguntou o Sr. White ao pegá–la da mão do filho e, depois de
examiná–la, colocá–la sobre a mesa.
– Foi encantada por um velho faquir — disse o sargento –, um homem muito santo. Ele queria
provar que o destino regia a vida das pessoas, e que aqueles que interferissem nele seriam
castigados. Fez um encantamento pelo qual três homens distintos poderiam fazer, cada um, três
pedidos a ela.
A maneira dele ao dizer isso foi tão solene que os ouvintes perceberam que suas risadas estavam
um pouco fora de propósito.
– Bem, por que não faz os seus três pedidos, senhor? — disse Herbert White astutamente.
O soldado olhou para ele como olham as pessoas de meia–idade para um jovem presunçoso.
– Eu fiz — disse ele calmamente, e seu rosto marcado empalideceu.
– E teve mesmo os três desejos satisfeitos? — perguntou a Sra. White.
– Tive — disse o sargento, e o copo bateu nos dentes fortes.
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– E alguém mais fez os pedidos? — insistiu a senhora.
– A primeira pessoa teve os três desejos atendidos, sim. Não sei quais eram os dois primeiros,
mas o terceiro era a morte. Foi desse modo que consegui a mão do macaco.
Seu tom de voz era tão grave que o silêncio caiu sobre o grupo.
– Se você conseguiu realizar os três desejos, ela não serve mais para você Morris — disse o
velho finalmente. — Para que você ainda está com ela?
O soldado meneou a cabeça.
– Por capricho, suponho — disse lentamente.
– Se você pudesse fazer mais três pedidos — disse o velho, olhando para ele atentamente –, você
os faria?
– Eu não sei – O sargento pegou a mão do macaco e balançou-a entre o dedo indicador e o
polegar. Subitamente, jogou-a às chamas que crepitavam na lareira. White, com um ligeiro grito,
abaixou-se e tirou-a de lá.
– É melhor deixar queimar — disse o soldado solenemente.
– Se você não quer mais, Morris, dê para mim.
– Não — disse o amigo com firmeza. — Eu a joguei no fogo. Se você ficar com ela, não me
culpe pelo que acontecer. Jogue isso no fogo outra vez, como um homem sensato.
O outro sacudiu a cabeça e examinou sua nova aquisição atentamente.
– Como você faz para pedir? — perguntou.
– Segure-a na mão direita e faça o pedido em voz alta — disse o sargento –, mas eu o advirto
sobre as consequências.
– Parece um conto das Mil e uma noites — disse a Sra. White, ao se levantar e começar a pôr o
jantar na mesa. — Você não acha que deveria pedir quatro pares de mãos para mim?
– Se quer fazer um pedido — disse ele asperamente –, peça algo que faça sentido.
 O Sr. White colocou a mão no bolso novamente e, arrumando as cadeiras, acenou para que o
amigo fosse para a mesa. Durante o jantar o talismã foi parcialmente esquecido, e depois os três
ficaram escutando, fascinados, um segundo capítulo das aventuras do soldado na Índia.
– Se a história sobre a mão de macaco não for mais verdadeira do que as que nos contou — disse
Herbert, quando a porta se fechou atrás do convidado, que partiu a tempo de pegar o último trem–,
nós não devemos dar muito crédito a ela.
– Você deu alguma coisa a ele por ela? — perguntou a Sra. White, olhando para o marido
atentamente.
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– Pouca coisa — disse ele, corando ligeiramente. — Ele não queria aceitar, mas eu o fiz aceitar.
E ele tornou a insistir que eu jogasse fora.
– É claro — disse Herbert, fingindo indignação. — Ora, nós vamos ser ricos, famosos e felizes.
Peça para ser um imperador, papai, para começar, então você não vai ser mais dominado pela
esposa.
Ele correu em volta da mesa, perseguido pela Sra. White armada com uma capa de poltrona. O
Sr. White tirou a mão de macaco do bolso e olhou para ela dubiamente.
– Eu não sei o que pedir, é um fato — disse lentamente. — Eu acho que tenho tudo o que quero.
– Se você acabasse de pagar a casa ficaria bem feliz, não ficaria? — disse Herbert, com a mão no
ombro do pai. — Bem, peça duzentas libras, é o que falta.
O pai, sorrindo, envergonhado da própria ingenuidade, ergueu o talismã enquanto o filho, com
um olhar solene de certa forma adulterado por um piscar de olhos para a mãe, sentou-se ao piano e
tocou alguns acordes solenes.
– Eu desejo duzentas libras — disse o velho distintamente.
Um rangido do piano seguiu-se às palavras, interrompido por um grito estridente do velho. A
mulher e o filho correram até ele.
– Ela se mexeu — gritou ele, com um olhar de nojo para o objeto caído no chão. — Quando eu
fiz o pedido, ela se contorceu na minha mão como uma cobra.
– Bem, eu não vejo o dinheiro — disse o filho ao pegá–la e colocá–la em cima da mesa — e
aposto que nunca vou ver.
– Deve ter sido imaginação sua — disse a esposa, olhando para ele ansiosamente.
Ele sacudiu a cabeça.
– Não faz mal, não aconteceu nada, mas a coisa me deu um susto assim mesmo.
Eles se sentaram perto do fogo novamente enquanto os dois homens acabavam de fumar
cachimbos. Lá fora, o vento zunia mais do que nunca, e o velho teve um sobressalto com o barulho
de uma porta batendo no andar de cima. Um silêncio estranho e opressivo abateu-se sobre todos os
três, e perdurou até o velho casal se levantar e ir dormir.
– Eu espero que vocês encontrem o dinheiro dentro de um grande saco no meio da cama — disse
Herbert, ao lhes desejar boa noite — e algo terrível agachado em cima do armário observando vocês
guardarem seu dinheiro maldito.
Herbert permaneceu sentado no escuro, contemplando o fogo se extinguir, vendo rostos nas
chamas. A última face era tão horrenda e simiesca que ele a contemplou assombrado. Surgiu tão
expressiva que, com um riso nervoso, procurou na mesa um copo com água para jogar sobre ela.
Agarrou a mão do macaco e, com um leve calafrio, limpou a mão no casaco e foi para a cama.
4
II
Na claridade do sol de inverno, na manhã seguinte, quando este banhou a mesa do café, ele riu
de seus temores. Havia um ar de naturalidade na sala que não existia na noite anterior, e a pequena
mão de macaco suja estava jogada na mesa de canto com um descuido que não atribuía grande
crença a suas virtudes.
– Eu creio que todos os velhos soldados são iguais — disse a Sra. White. — Essa ideia de dar
ouvidos a tal tolice! Como é que se pode realizar desejos hoje em dia? E se fosse possível, como é
que iam aparecer duzentas libras, querido?
– Caindo do céu, talvez — disse Herbert, com ar brincalhão.
– Morris disse que as coisas aconteciam com tanta naturalidade — disse o pai — que podemos
atribuí-las a coincidências.
– Bem, não gaste o dinheiro antes de eu voltar — disse Herbert, ao se levantar da mesa. — Estou
com medo de que você se torne um homem mesquinho e avarento, e vamos ter de renegá–lo.
A mãe riu e, acompanhando-o até a porta, viu-o descer a rua. Voltando à mesa do café, divertiu-
se à custa da ingenuidade do marido. O que não a impediu de correr até a porta com a batida do
carteiro, nem de se referir a sargentos da reserva com vício de beber, quando descobriu que o
correio trouxera uma conta do alfaiate.
– Herbert vai dizer uma das suas gracinhas quando chegar em casa — disse ela, quando se
sentaram para jantar.
– Com certeza — disse o Sr. White, servindo-se de cerveja –, mas, apesar de tudo, a coisa se
mexeu na minha mão, posso jurar.
– Foi impressão — disse a senhora apaziguadoramente.
– Estou dizendo que se mexeu — replicou o outro. — Não tenho dúvias, eu... O que foi?
A mulher não respondeu. Estava observando os movimentos misteriosos de um homem do lado
de fora, que, espiando com indecisão para a casa, parecia estar tentando tomar a decisão de entrar.
Lembrando-se das duzentas libras, ela reparou que o estranho estava bem vestido e usava um
chapéu de seda novo.
Por três vezes ele parou no portão, e depois caminhou novamente. Da quarta vez ficou com a
mão parada sobre ele, e depois com uma súbita resolução abriu-o e entrou. A Sra. White no mesmo
momento desamarrou o avental rapidamente, colocando-o debaixo da almofada da cadeira.
Convidou o estranho, que parecia deslocado, a entrar. Ele olhou para ela furtivamente, e ouviu
preocupado, a senhora desculpar-se pela aparência da sala, e pelo casaco do marido, uma roupa que
ele geralmente reservava para o jardim. Então ela esperou, com paciência, que ele falasse do que se

tratava, mas, a princípio, ele ficou estranhamente calado.

Escrito por: W. W. Jacobs
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